A SEMANA SANTA NA ANTIGA VILA DE TOUROS

abril 13, 2025

Por Roberto Patriota – Jornalista e Escritor Durante o período que antecedia a Semana Santa, na Vila de Touros havia um clima singular e extremamente rigoroso, uma tradição enraizada desde o estabelecimento oficial da Freguesia do Senhor Bom Jesus dos Navegantes, em 1832, perdurando com rigidez até o início da década de 1960, do século […].

Por Roberto Patriota - Jornalista e Escritor

Durante o período que antecedia a Semana Santa, na Vila de Touros havia um clima singular e extremamente rigoroso, uma tradição enraizada desde o estabelecimento oficial da Freguesia do Senhor Bom Jesus dos Navegantes, em 1832, perdurando com rigidez até o início da década de 1960, do século passado.

Todos na comunidade de Touros se envolviam profundamente nos preparativos dos rituais religiosos para essa fase da "santa semana", como era comumente denominada. Os líderes religiosos da época tomavam a primeira medida, cobrindo todas as imagens dos santos com panos pretos ou vermelhos. Esses panos serviam para obscurecer a aparência das efígies celestiais durante os dias que antecediam esse importante período para a Igreja Católica e seus devotos.

No decorrer de toda a estação da quarentena, os sinos da Matriz do Bom Jesus dos Navegantes permaneciam intactos. Em vez do costumeiro badalo sonoro tradicional, o ruído estridente de uma matraca era utilizado para anunciar aos cristãos os atos religiosos das semanas seguintes.

Iniciava-se então uma cerimônia muito interessante, que tem sua origem numa tradição da Idade Média. Eram os acólitos em idade bem jovem que saíam às ruas com uma matraca para anunciar o Angelus e as horas dos ofícios divinos. A população tourense era orientada pela Igreja a não consumir nenhum tipo de carne vermelha ao longo de todo aquele período e muitas eram as famílias que seguiam à risca esse e outros conselhos do vigário local. O peixe passava a ser a principal fonte de alimento. Muitos moradores chegavam a passar todo esse longo tempo sem se banhar, renunciando à higiene pessoal em nome da devoção.

Foto: Jornal da Vila Praieira

Inúmeros eram os cristãos católicos que temiam um castigo celestial, caso não acatassem as orientações dos padres. Alguns devotos levavam a penitência tão a sério que, no último dia da quarentena, passava a impressão de o sujeito ter participado de uma guerra, tal a aparência de flagelo em que se encontrava: barbudo, sujo e fedorento. Uma cena jocosa e penosa para familiares e amigos que conviviam próximo aos penitentes mais radicais.

Já na quinta-feira maior, as portas dos comércios da cidade se fechavam, só reabrindo no Sábado de Aleluia. Toda a cidade ficava parada, imóvel, sem nenhuma atividade festiva ou comercial. Um profundo silêncio quase sepulcral tomava conta de todos os lares, da mesma forma que uma pobreza franciscana inundava a vida de toda a comunidade. Algum forasteiro desavisado que chegasse a Touros durante esses dias, teria a impressão de que a cidade havia sido abandonada.

Como não era permitido comer carne vermelha, encontrar peixe na cidade se tornava uma tarefa quase impossível, uma vez que os pescadores abdicavam de ir para o mar, seguindo a orientação da Igreja. Praticamente toda e qualquer atividade comercial se transformava em “pecado” durante essa fase que antecedia a Semana Santa. Os pescadores se recolhiam em seus lares temendo um castigo divino, caso saíssem para o mar.

O jejum perdurava durante toda a sexta-feira, no entanto, algumas famílias ainda se alimentavam modestamente; já outras, mais penitentes, preferiam passar todo o dia em completo jejum. No final do dia acontecia costumeiramente de alguns devotos mais fervorosos necessitarem de cuidados médicos em virtude do prolongado jejum, principalmente penitentes idosos que chegavam a desmaiar. Era muito corriqueiro que a população mais abastarda oferecesse esmola para os mais carentes. Filas e mais filas de pessoas humildes se formavam em frente às melhores casas da vila para a costumeira distribuição de peixes, bacalhaus ou até mesmo alguma ajuda financeira.

Na Sexta-feira da Paixão, era obrigação de todo bom afilhado tomar bênção ao padrinho. Os favorecidos recebiam quase sempre uma moeda de 500 réis, dinheiro que deveria ser gasto com doces, caldo de cana ou outras guloseimas da época. Com o término do período de jejum, todos procuravam se fartar de alimentos e lanches. A alegria voltava com a quebra daquele período radical e espartano de privações e medo de um possível castigo vindo dos céus, caso o penitente não cumprisse corretamente as orientações da Igreja.

E assim, com o fim da quarentena, os sinos da Matriz do Bom Jesus voltavam a badalar, e a vida, aos poucos, ia retornando ao seu curso normal na pequenina Vila Praieira.

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