A marca da vida cravada na vênus

março 23, 2025

Bruna Torres – Jornalista e escritora Uma coisa interessante sobre os momentos clichês da vida e sua efemeridade em alguns instantes, é que de fato, sempre existirá um dia após o outro.

Bruna Torres - Jornalista e escritora

Uma coisa interessante sobre os momentos clichês da vida e sua efemeridade em alguns instantes, é que de fato, sempre existirá um dia após o outro. As pessoas e lugares que me faziam tão mal, hoje, já não surtem mais tanto efeito. É verdade, nada é melhor do que o tempo, pois cedo ou tarde, as coisas voltam ao seu devido lugar. Mas, no momento de dor, não entendemos isso, não conseguimos enxergar para além da tempestade enquanto o barco afunda, mas após as densas nuvens, um arco-íris sempre surge na costa.

Somente agora, três anos após me tornar mãe, consigo enxergar para além dos dias difíceis e incessantes lágrimas. Lidei com muitos altos e baixos, algumas outras pessoas na caminhada, um pouco de entretenimento, algumas idealizações também... Mas, aprendi que minha jornada não era sobre encontrar outro amor romântico, apesar de que parecia ser isso no começo. Eu não me sentia mais eu mesma, já não me sentia atraente o suficiente, tampouco bonita e inteligente.

A Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, o lugar que mais amo depois da minha casa, parecia sufocante e inadequada para mim. Estudando sobre maternidade na comunicação, vi que a minha realidade não era linear e exclusiva, muitas mulheres se sentiam como eu, estudavam sobre isso e produziam textos acadêmicos para expandir esses conhecimentos em um solo pouco fértil para mulheres mães: o núcleo acadêmico.

Para além da formação e capacitação, uma parte minha parecia que jamais iria se ajustar: o meu corpo. Os quilos a mais, as manchas, a pressão estética que as mulheres sofrem após gerarem uma vida... Eu estava cansada demais e dolorida demais para me enfiar em uma roupa sufocante com a promessa de deixar "tudo no lugar". E, na verdade, nem tudo voltou ao lugar. Os 16 quilos a mais foram embora, as bochechas diminuiriam de tamanho e a linha alba, também sumiu.

Pela primeira vez, eu usei um cropped deixando parte da barriga de fora e pareceu um acontecimento icônico, pois fui muito elogiada. Mas, na verdade, eu já estava me sentindo bem comigo mesma antes de sair de casa, antes dos olhares apreciativos dos outros. Frente a frente ao espelho, observei a marca da cesárea, a cicatriz que era um lembrete da violência obstétrica que eu sofri num hospital público, 13 horas de parto com 9cm de dilatação, sem ter uma criança encaixada para nascer, até que finalmente fôssemos para a intra parto em uma cesárea.

A cicatriz me incomodava, ela não tinha ficado "perfeita" como eu esperava, também não. Minha mãe aconselhava "ela vai sumir, vai ficar bem fininha", mas a tempestade interior não me fazia ver a costa ainda, e não era a cicatriz na região íntima que me incomodava, era um lembrete constante de que aquele corpo que eu tanto gostava, já não existia mais.

Dia desses eu a encarei no meu reflexo do espelho, delineei seu contorno com hidratante de frutas vermelhas e lembrei de alguns meses que ela melhorou quando me tornei adepta do hidratante. Minha mãe tinha razão, afinal, acho que no fundo as mães sempre têm.

Aquela marca tão protuberante se tornava um fino lembrete delineado de aquela mulher insegura e perdida nas mudanças da sua vida, já não existia mais. E para além das marcas e cicatrizes que carregamos e não podem ser amenizadas com auto cuidado e hidratante, é necessário aprender de uma vez por todas, que apesar da nossa pressa, algumas soluções têm o seu próprio tempo. O que nos fere hoje, amanhã, talvez já não tenha mais o mesmo impacto; não desistir e batalhar por dias melhores também faz parte do processo de cura.

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