Pe. Matias Soares - Pároco da paróquia de Santo Afonso M. de Ligório
Em 2009, quando fui à Israel pela primeira vez para fazer um curso, tive a oportunidade de, juntamente com presbíteros de outros países, visitar um jesuíta que tivera preso em um país comunista. O seu testemunho chamou-nos à atenção. Dentre tantos detalhes, ele nos relatava que enquanto estava na prisão, aproveitava o tempo para testemunhar a fé e evangelizar. Conhecendo a história do cristianismo, inclusive aquele durante e no pós-guerra (1939-1945), teremos a oportunidade de reconhecer o que tantos homens e mulheres fizeram de prodigioso, tanto do ponto de vista de atitudes como de pensamentos, que fizeram a diferença na filosofia e em outras áreas do conhecimento.
Essas construções epistemológicas direcionaram e nos mostram até hoje os horrores que não podem ser repetidos pelos chefes das Nações, como também por outros que estão constantemente envolvidos com as responsabilidades que exigem de cada um o senso de justiça, prudência e responsabilidade pelo bem comum.
Uma das mais reconhecidas pensadoras que ilustraram o significado político dos regimes totalitários – comunista-nazista-fascista – foi a H. Arendt (1906-1975). Também na literatura, além da obra – 1984 – George Orwell (1903-1950), em “Democracia e Fascismo”, mostra bem como esses sistemas políticos têm a preocupação de silenciar a propagação das ideias e do livre pensamento.
A verdade que conscientiza incomoda em esquemas de governo ditatoriais. No contemporâneo, estamos a observar muitos cenários nacionalistas que nos colocam em estado de alerta. Em tudo isso está o declínio da racionalidade política, como também o mal da própria religião que tem sido instrumentalizada para fins espúrios. Os projetos políticos, e pastorais, tornaram-se reféns da lógica do mercado. O livre pensamento ganhou fôlego com a potência das mídias sociais.
Contudo, a onda de informação tem gerado alienação de milhões de pessoas, inclusive dos sujeitos eclesiais. A onda totalitária ganhou capilaridade com formas vorazes de negação, ou cancelamento, do outro. O diferente não é mais alguém que completa-me, ajuda-me a crescer, a avançar e a ressignificar minhas concepções de vida e de mundo. O outro precisa ser violentado, ultrajado e ridicularizado. Existe um fascismo individualista.
Ninguém pode algemar aquele que, verdadeiramente, pensa. Por mais que tente, o pensador é alguém livre por excelência na sua condição de “ser com natureza racional”. Segundo Kant, a vivência dessa condição levará o homem “a saída da menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem.
Tal menoridade é por culpa própria se a sua causa não reside na falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo sem a orientação de outrem. (cf. “O que é o Iluminismo?”). A modernidade é filha dessa reviravolta antropológica. A Igreja, através do Concílio Vaticano II, recepcionou essa mudança e a sintetizou, numa perspectiva personalista, relacional e cristológica, com o número vinte e dois da Gaudium et Spes, quando afirma que, “na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente”.
A liberdade de pensamento, entra também na lógica interna da teologia contemporânea, pelo reconhecimento da liberdade religiosa. A partir da sonegação deste direito fundamental, abre-se o caminho para a tomada de outras liberdades.
Aí surge a possibilidade de violência ao poder de reflexão, com as suas proposições que lançam luzes nos movimentos da história. Trair os impulsos do Espírito, seja O que para alguns é Dom de Deus, seja o que para outros, numa linha racionalista, é sinal do Espírito Absoluto (F. Hegel), é ofender intrinsicamente à dignidade de cada ser humano. Em toda e quaisquer instituições em que haja tal atitude, o bem comum e a justiça estão a ser vilipendiados.
Os direitos e garantias fundamentais das pessoas, que formam um Povo, seja eclesial ou civil, estão sendo sufocados por comportamentos abusivos e ações inócuas. Por isso, cabe às lideranças dos sujeitos eclesiais e sociais terem capacidade de discernimento e prudência, com consciência bem formada para agir, tendo em vista o ordenamento da coletividade. Dentre outros valores civis cunhados pelo Iluminismo, quiçá, seja este, o mais reivindicado; já que, no ‘diálogo da alma consigo mesma’ (cf. S. Agostinho, Solilóquio), deve haver lugar para a transmissão do que se pensa, sem olvidarmos jamais o princípio da dignidade dos demais seres humanos.
No decorrer do desenvolvimento do cristianismo, esse sempre foi um problema a ser enfrentado e objeto de muitas controvérsias dentro das comunidades, principalmente quando questões dogmáticas foram debatidas. Os pensadores, seja por vaidades intelectuais, questões políticas, ou por zelo pela Verdade Revelada, estiveram em confronto para tornar razoável e comprobatórias as assertivas ligadas à fé, especialmente àquelas contidas no Credo.
Em nossos dias, continuam os debates que têm gerado contraposições dentro da própria Igreja, tanto nas construções teológicas internas, quanto no modo dessa impostação dialogar com a cultura pós-moderna. Em tudo isso, a liberdade como sinal da ação do Espírito, que renova todas as coisas, inclusive o próprio estilo de ser e estar no mundo da Igreja, deve nos favorecer no exercício da parresia, como coragem de dizer a verdade.
A censura pode tornar a fisionomia das instituições atávicas e sem possibilidades de avanços. O medo de lançar as redes para realidades diferentes e de fronteiras não está na origem do cristianismo. Ao contrário! A postura de uma “Igreja em Saída”, sonhada pelo Papa Francisco, está na raiz do dinamismo eclesial das primeiras comunidades.
Enfim, em nossos dias, ‘ser livre para pensar’ é uma conquista ‘vital e cotidiana’. Parar para ler e pensar tornou-se um ‘ato subversivo e diferenciado’. Não foi à toa que o Papa Francisco escreveu uma carta sobre a “importância da literatura para a formação”. Mais uma vez, o que ele diz é profético.
Anuncia o que somos chamados a viver e denuncia o que precisamos repensar na nossa condição humana e cristã. A atenção ao ser humano, na Era pós-orgânica e hiperconectada, é o que faz com que a liberdade de pensamento e expressão seja uma forma sublime de fazer acontecer a urgência de um novo humanismo em nossos dias. Assim o seja!
Pe. Matias, parabéns pelo seu Artigo! Fiquei encorajada, pelas suas palavras, a dar mais vasão aos meus pensamentos, os quais já externo através do meu modo simples de escrever.