A cultura perde Dorian
Alex Medeiros – Jornalista e Escritor [alexmedeiros1959@gmail.
Alex Medeiros - Jornalista e Escritor [alexmedeiros1959@gmail.com ]
O luto cobre mentes e corações da minha geração que abraçou a poesia chamada alternativa na fronteira das décadas de 1970 e 1980. O poeta e produtor cultural Dorian Lima se foi aos 60 anos, após sofrer uma parada cardíaca. Depois de três dias internado numa UPA, seu corpo não suportou a longa espera por uma vaga em UTI cardiológica no sistema público de saúde.
Nós que vivemos com ele a juventude daqueles dias, utilizando a poesia como arma de questionamento e de discurso sócio-político – sem abrir mão do romantismo dos amantes – estamos enlutados com a perda, mas cientes de quem perdeu mais foi a cultura da nossa província, que tinha nele uma usina de produtividade, instigando e estimulando projetos e eventos artísticos.
Poucos juntaram quanto ele o talento original com a capacidade técnica de conceber ideias para a devida aprovação nas diversas leis de incentivo à cultura. Em vários pontos da cidade já rolou eventos conceituados por Dorian.
O conheci em 1980, eu com 21 anos e ele com 18. Desaguamos na mesma corrente insubmissa de uma tribo que optou pela prática poética como militância política nos anos de redemocratização nacional e reforma partidária.
Nos juntamos na força coletiva do Movimento Aluá de Poesia, um agrupamento de jovens inspirados na geração mimeógrafo, aquela que atirou poesia nas ruas do Brasil nos primeiros anos da década de 1970 e do governo Médici.
Quando nossos poemas ocuparam as ruas do Centro e Beco da Lama, durante as passeatas do 14 de março, Dia Nacional da Poesia, já vivíamos o governo João Figueiredo. Todos nos envolvemos também no Festival de Arte do Forte.
Do fazer poético à produção física era um processo aventureiro; dependíamos de doações de papel por mecenas acidentais e/ou estatais. Quantas vezes repeti com Dorian o percurso entre a Fundação José Augusto e a Coojornat.
Em 1981, fiz o poema Tributo aos Poetas Natalinos, que Babal melodiou em 1982. Um martelo agalopado protagonizando aquela geração em desaforos aos grandes poetas brasileiros e mundiais. Botei Dorian no segundo verso.
- “Vi Ferreira Gullar pedindo ajuda / em defesa do estilo milenar / quando viu Dorian querer sujar / seu poema cujo sujo era engano”. Um tempo depois, ele quebrou a rotina da busca do mecenato e então fabricou o livro “Feito à Mão”.
Há exatos 40 anos, em setembro de 1983, quando Dorian fez 21 anos, estávamos todos juntos na Folha Poética, ideia magistral de Aluízio Mathias que resiste ao tempo como uma nau transportando e transbordando poesia.
Minha ida para São Paulo e depois a volta já me envolvendo no trabalho jornalístico e publicitário, provocou uma distância física entre todos nós, já bastante atarefados para ter direito aos velhos instantes de plantões literários.
Acompanhei de longe as artimanhas de Dorian, sustentando o estandarte de juventude na idealização de eventos e na organização do movimento, como a criação da SAMBA e do MPBeco, o Festival de Música do Beco da Lama.
Em 1996, lá estava ele, na Expoética, reunindo autores potiguares numa mostra internacional de poesia visual através do Sesc, compondo a comissão julgadora com duas feras, o decano Falves Silva e o inquieto J. Medeiros.
Ontem, seus muitos amigos das andanças e aventuranças do Beco da Lama se reuniram no Bar de Pedrinho, seu expediente predileto, numa vigília etílico-musical para espantar a tristeza da perda com a alegria que ele ali projetava.
Dos nossos anos de juventude, guardo o momento maravilhoso de um fim de semana à margem da Lagoa de Extremoz, onde minha filha foi gerada. Não demorou nasceu também a dele, e ambas cresceram numa bela irmandade.
Dorian estava aprontando o projeto do meu disco com Babal e outro do bloco Guaxinim para o carnaval 2024, além da terceira edição do Fagner Pop. Não faltará agradecimento a ele quando outro alguém retomar o que ele começou.
Ilustro a saudade que bate desde ontem com seus versos:
“Ontem sonhei com balas Hoje já sei o que vai acontecer Não darei prazer a ninguém”. “A cultura líquido injetado na contracultura DO BLOG: TRANSCRITO DA TRIBUNA DO NORTE
Uma perda para todos nós que amamos a cultura. Conheci Dorian, através do saudoso Franklin Mário, durante um dos memoráveis MPBeco.Vá na Luz!