A caixa bonita com um laço de fita sufocante
Bruna Torres – Jornalista e Escritora E se existisse uma caixa lacrada, intacta e bem embalada numa prateleira, à nossa espera por ser feita sob medida para nós? É isso que ensinam a nós mulheres, desde cedo, que o amor de um homem deve ser o seu maior objetivo de vida.
Bruna Torres - Jornalista e Escritora
E se existisse uma caixa lacrada, intacta e bem embalada numa prateleira, à nossa espera por ser feita sob medida para nós?
É isso que ensinam a nós mulheres, desde cedo, que o amor de um homem deve ser o seu maior objetivo de vida. Não importa quantos diplomas ele tenha, quantos idiomas fale ou os países que visitou... A mulher, só será plenamente feliz ao lado de um homem e que possa formar uma família. Família. É essa palavra que está escrita no rótulo da bela caixa, com laço de fita e sapatinhos de lã para o bebê.
Mas, existe um caminho que a mulher precisa trilhar durante toda a sua vida para chegar até essa caixa, seguindo algumas regras. Não será fácil mas, também, não tão difícil. A mulher subserviente e recatada precisa sorrir, cozinhar, passar, estar cheirosa e sempre disposta para as demandas emocionais e sexuais de seu homem.
Segundo os moldes sociais, apenas essa mulher poderá ganhar a tal caixa, mas ela terá que se adequar às exigências sociais. Por fim, dançar a música conforme ela toca. Anos de relacionamento com um homem bom, honesto e que sonha em ser pai. O casal termina a faculdade, conseguem um emprego estável, ambos focados em casar e pontuar na vida para merecer a tal caixa.
Ufa, deu tudo certo…O bebê não demora a chegar. Ele é lindo, fofo. Parece com o papai, mas tem a cara da mamãe.
Os meses vão passando, as angústias começam a surgir, o distanciamento, a perda da identidade, os hormônios naqueles dias, a falta de intimidade e privacidade. Vem as traições, as brigas.Não existe mais diálogo. A caixa da família agora parece menos brilhante, está mais opaca. Onde está o laço de fita junto ao sapatinho de lã? Afinal, a caixa era realmente assim tão bonita?
O desfecho, infelizmente, muitas de nós mulheres já conhecemos bem… A caixa bonita vira cinzas e o sonho da família, vira uma cruel realidade para a mulher que seguiu todas as instruções, conformes os moldes do sistema patriarcal ainda existente em nossa região. Ainda assim, se sente culpada pelo abandono afetivo do homem que jurou amá-la e cuidar de sua família.
Então me lembro do compromisso matrimonial:
Recebo-te por minha esposa,
e prometo ser-te fiel,
amar-te e respeitar-te,
na alegria e na tristeza,
na saúde e na doença,
todos os dias da nossa vida
É irônico pensar que muitas mulheres são julgadas por isso. “O que será que ela fez para que ele a deixasse"? “Vocês estavam há tantos anos juntos. O que houve?” E aí, se torna um ciclo sem fim onde a ansiedade e por vezes, a depressão, se apropria.
"Quem cuida de quem cuida? Gosto de pensar nessa frase e me questionar sobre seu valor simbólico. A mulher luta pela própria vida, pelo filho, por sua carreira e por dignidade. Porém, as pessoas a culpam pela partida daquele que deveria protegê-los, dar segurança. E o pior, desmerecendo sua família pela ausência da representação masculina.
Muitas de nós mulheres, infelizmente, conhecemos esse enredo. Às vezes, parece que só estamos tentando provar o nosso valor ou que não foi nossa culpa. Que somos uma família, eu e o meu filho, mesmo sem um homem ao nosso lado.
E a pior parte disso é que esse discurso parte de mulheres. Fêmeas famintas que caçam umas às outras em prol de uma cultura que sempre favorável os homens. Desde criança, já sabemos bem o que estamos fazendo. Quantas de nós são silenciadas perante a violência, a dependência afetiva e financeira que nos oprimem e a conviver com um homem somente para serem aceitas? O quão cruel é a sociedade que dissemina a ideia de que, sem o genitor ao lado, ela não tem uma família?
Para nós, mulheres-mães, às vezes parece que é proibido chorar. É um crime passível de punição severa. Mães não podem padecer, não podem adoecer, não podem sair, não podem namorar. São xingadas, questionadas, humilhadas… “Você é mãe”, se transforma em uma frase de punição. Você é mãe, essa roupa não vai cair bem. Você é mãe, não deveria ler esse tipo de livro. Você é mãe, precisa se comportar de outra forma.
Depois que viramos mães, os “não” parecem mais comuns do que os sim, pois o cativeiro da maternidade nos mantém refém de um medo irracional que se perpetua e ecoa dentro de nós, o medo de nunca ser o suficiente. E eu, novamente, me pergunto: Quem cuida de quem cuida, afinal?
Quantas de nós não sufocam as próprias emoções para não se sentirem ‘fracas’? Nos exigem uma casca grossa, robusta, impenetrável, capaz de enfrentar inúmeras batalhas, sempre pronta para defender sua cria, mas às vezes, sequer temos tempo de tirar o esmalte lascado da unha e o frizz do cabelo, para lidar com pessoas que a todo momento, nos querem impecáveis e invictas.
Mas, afinal, quem somos nós além das caixas bonitas com laços de fita?